Discurso IV – O Pintasillgo à Mestra
Edited by Rebecca Halls
Capítulo
O PINTASSILGO* A’ MESTRA
das Noviças
Continuavão as aves a sua missão com
avisos em as officinas : entrou hum
pintassilgo em o noviciado, onde achou
a mestra regando um chaveiro , para que
lhe pagasse em flores , o que lhe devia em
pérolas : logo oficiosa lhe tirou as ervinhas,
que o viço da terra lhe fez brotar ao
pe; dahi passou a encanniçallo, porque crescessem
as hastes à obediência da prisão:
depois de composto o mudou de lugar ,
para que mais depressa lograsse o benefício
do Sol ,e neste posto o defendeu de uma
abelha , que lhe buscava as flores para a
tarefa dos favos. Tudo esteve observando
a ave illustrada; e articulando a voz, disse
a religiosa: notei, senhora, o grande cuidado,
com que beneficiais esta planta, e me
lembrou o como aquele mestre dos pregadores,
[39]
monarca dos púlpitos, oráculo dos
ouvintes; aquele ,que das conchas mais
toscas sabia tirar as pérolas mais finas , o
grão vieira , dissera em em um sermão aos
circumstances: tratai a vossa alma, como
tratais ao vosso cavalo; lembrou para
dizer vos a vós, que tratais a vossas noviças,
assim como tratais ao vosso craveiro:
são plantas, que são criais para vós. Primeiramente
dais ao vosso craveiro o rego da água, para
que medre; dai ás vossas noviças o rego da
doutrina, para que cresçam; bebão nessa água
as virtudes; admoestai-as, para que se conservem
religiosas, que sem este rego ou
se murcharão em o fervor,ou não crescerão
em as perfeições: não haveis de fiar-vos só
em a chuva do Ceo; haveis de ajudá-las com
este benefício em a terra; Deus dará quan-
do convém por obrigação. Os mesmos profetas,
que darão à terra o rego da sua doutrina
de graça, lhe comprarão o benefício do
Ceo com muitos suspiros: Rorate coeli desuper;
espreita sem o vosso craveiro toda
a erva inútil para arrancá la; espreita em
as vossas noviças toda a inclinaçaõ avesta
[40]
para adverti la: não deixeis arreigar a herva
agreste, que poderá destruir a flor mimosa;
cortai-a com suavidade, assim como
o fizestes ao craveiro, que vos valestes da
mão branda, e não do ferro duro, e seja logo,
quando começarem a brotar, que ao depois
de profundas as raízes, não basta
destruírem-se as ramas, antes fahem mais
soberbas, quando mais mortificadas. Pozestes
á vossa planta uma prisão de cannas,
deitai às vossas Noviças um cordão de
obediência; a este as haveis de ter tão sujeitas,
qual alli lhes haveis de pretender todas
as ações: creia-as para religiosas, e
nesta virtude lhes segurais todas as mais;
a obediência leva consigo a humildade;
em o rendimento levam a mortificação; em
o sacrifício levam a pobreza; em a deixação
levam a mansidão, em não terem réplica levam
o silêncio; em não terem voz levam a
pureza, e a atenção; levam a penitência
em o culto: grande virtude, a que inclui em
si tantas virtudes. O pobre faz sacrificio
das riquezas, o humilde da estimação, o
puro do appetite, o callado das palavras, o
penitente do corpo; porém o obediente
fas sacrificio da alma, offerece todas as tres
[41]
potências, cega o entendimento, mata a
vontade, e suspende a memória, com que
fica esta virtude, rainha de todas.
Não repareis em os dos sacrifícios mais
memoraveis, de que trata a escritura, o de
Abraão, e o de Jephte, ambos tão parecidos
em os sacrificantes, tão uns em as victimas,
e tão diferentes em circunstâncias?
Manda Deus a Abraão[2], que lhe sacrifique
a Isaac; obedece o velho; e cortando
pela alma, se dispõe a cortar pelo filho:
sujeita se este sem réplica, e abaixa a cabeça
ao cutelo. Promete Jephte[3] a Deus sacrificar lhe
a primeira criatura, que de sua
casa visse, se chegasse vitorioso da guerra;
vence, entra em o seu domicílio, e a primeira,
que lhe aparece, e sua filha a festejá lo;
traspassado de dor lhe íntima a fatal
sentença, pede-lhe a afflicta donzella dos
meses para chorar a sua morte, antes de
padece-la, os quais lhe foram concedidos.
Pois Isaac sem pedir um instante de vida,
sem expressar uma voz de sentimento,of-
ferece a garganta ao golpe, e a filha de Jephte
só lamenta a sua desgraça, mas pede
para choralla dous mezes? Tanto tépo para
entrete-la? não é a dor a mesma, não he
[42]
o cutelo o próprio, não é uma separação?
Sim é. A filha de Jephte era sacrifício
de satisfação, e Isaac era sacrifício de
obediência, e é a obediência tão grande
cousa, que ainda sendo o cumprimento da
palavra cousa tão grande, morreria Isaac pela
obediência gostoso, e morreu a filha de Jephte
pela satisfação lastimada: os mesmos
os sacrifícios nos confirmam este pensamento.
Jephte, que fez victima do coração em a filha,
fica sem algum louvor; e a Abraão se lhe
dão tantos, que deixou em a sua ação hum
panegírico para toda a posteridade, porque
a sacrifício de Jephte foi depois do de Abraão,
e à vista de um sacrifício, ainda que
seja de pontualidade,nem comparado pay
com pai, filho com filho, vítima com vítima.
Senhora , creiais as vossas Noviças para
religiosas,creai-as com obediência: uma
freira sem obediência é cavalo sem
freio, barco sem remos, nau sem piloto,
edifício sem alicerce, horto sem muros; e
que despenhou espera a este bruto, que onda
a este barco, que penedo a esta não, que
ruína a este edifício, e que destruição a este
[43]
horto? Livre-nos Deus de tais fatalidades.
Não há quem se isenta de obedecer
em a ordem das criaturas; vede em os racionais
o rei obedecendo ao conselho,
os vastallos ao rei, os pequenos aos grandes;
e em as criaturas sensitivas vede os
brutos obedecendo aos homens, ou já enfreados,
ou já domésticos; em as insensíveis
vede a todas obedecendo a seu creador
em os tempos, as árvores com os fructos,
as plantas com as flores, as ervas com as
virtudes. Pois se todos obedecem a seu maior,
obedeça a freira aos seus prelados, e
com muito maior sujeição, porque é
religiosa.
Conta-se de uma carmelita descalça, a
grande Catharina de Jesus, que porque a
sua muita modéstia se confessava muito
mortificada aos oficiais, que andavam em
as obras do mosteiro, cujo officio ela exercitava;
notificada a prelada da repugnancia,
que tinha em assistir com aqueles homens,
lhe disse com tensão de gracejo:
Ora porque nós não ande aqui com esses
melindres, vá amanhã a par dos oficiais
despida: a perfeita religiosa sem mais
discursos, porque a obediência não os faz,
[44]
assim como amanheceu, foi esperar aos oficiais
só com a túnica interior, e com ela
ajustada à maior compostura; e desta sorte
se pôs ao canto da casa, em a qual entrando
uma religiosa, notou um grande resplendor
em o lugar, onde a serva de Deus
estava, e entre as luzes a divisão em a forma
referida: avisou logo à prelada, que acodio
com toda a comunidade a darem testemunho
de tal maravilha, onde o milagre
causou menos admiração, que a obediência,
pois a visão triunfante até da modéstia:
a prelada pelejou com a voz, o que venerou
com o coração, por segurar humilde
a quem a fez pasmar por obediente. Em
a mesma reforma do carmelo achareis em
como mandando o seu prelado a um
monge pedir esmola de cevada, e querendo
os devotos por mais estimação dar-la
de trigo, o não quiz aceitar, dizendo, que
o seu prelado lhe não mandava pedir trigo,
senão cevada. Outros trabalhando junto a
um rio, e chamando o trabalho ao calor,
e o calor á sede, e por mais que esta os
abraçasse, não tomava um trago de água,
porque não tinham ali o seu maior, a quem
pedir para isso licença. Sobre os seus pobres
[45]
fardos descansavam outros, e acontecendo
alguma vez cair sobre eles dos cachos
das uvas, que estavam pendurados em
o teto do pobre dormitório, os não levantavam,
até ser hora de pedir para isso licença,
deixando-se ficar do mesmo lado, até
amanhecer, porque com o movimento não
pisaram as uvas. Outros houve, que se deixavam
ficar toda a noite prostrados em o
lugar, onde os tomava a repreensão do prelado,
se este se esquecia de os mandar levantar.
Estas, e infinitas semelhantes são
as façanhas da obediência, onde o mais
rendido é o mais vitorioso. não só os religiosos
perfeitos vos darão exemplo,tam-
bem os infiéis tão resignados em a vontade
do seu maior, que chegando a intimar-se a
um turco a sentença de morte, que não
esperava, por se achar livre, assim que lhe
leram a ordem do seu imperador, em que
mandava, que lhe cortassem logo a cabeça,
respondeu: agradeço muito ao grão Senhor
o lembrar-se de mim; e se ofereceu ao cutelo
sem a menor réplica. Senhora, a perfeita
obediente há de ser como uma mulher
morta só com os ouvidos vivos; não há de
ter voz para a réplica, não há de ter vista
[46]
para a distinção, não há de ter movimento
para a repugnância, não há de ter discurso
para o conhecimento. Porque cuidais, que
se perderão aquelas cinco virgens, a quem
O Evangelho chama loucas, ou néscias?
Perderaõ-se por não ser obedientes; mandou-lhe
o Esposo o esperassem com as alampadas
acesas; esperarão-no com elas apagadas.
Senhora, creai as vossas noviças em obediência,
e se assim o não fizerdes, ficará freiras,
mas não ficarão religiosas, e entre todas
as creaturas em o andar de férias, que só
elas não tem sujeição.
Ao depois de cercardes ao vosso craveiro,
o chegastes onde lhe desse o sol, para
que com o seu calor o vivificasse; a esta
imitação procurai dar calor o estas plantas,
que creiais para esposas de Deus, chegando-às
muito a oração; fazei que comuniquem
hoje com quem se hão de desposar
amanhã; ali estudarão as galas nupciais,
e receberão as joias para o dia das
bodas; em aquele fogo consumirá as
saudades do mundo, e as escórias da terra;
pois as creais para religiosas, sabei que
uma freira sem oração é um corpo
sem alma, uns olhos sem luz, uma mente
[47]
sem discurso: em quanto á vida de mulher
poder se animar com os gêneros materiais;
porém quanto á vida de religiosa
não é possível o conservar-se sem o alimento
espiritual: o espírito, que influi para
durar, não é o mesmo, que influi para viver;
uma religiosa com oração vive, sem
oração dura: a oração é aquela mestra
dos sábios, em cuja escola sairão os ignorantes
doutos; e aquela flor, onde se bebe
a doçura divina; aquela luz, que rompe
pela sobre humana; aquele nó, que nos
ajunta a Deus; aquele espelho, que nos
mostra o Ceo; aquele voo,que nos arranca
da terra: é a medianeira entre Deus,
e o homem, a que reprime as iras da sua
justiça, a que desata as correntes da sua misericórdia;
é o mais, que só entende quem
a experimenta, e não quem a escreve: cheguei-as
em o inverno da sua tibieza a este
brazeiro, em a primavera dos seus dias a
este paraíso: tratem com Deus, pois vem a
ser de Deus; e assim às noviças com ás religiosas
adverti, que cuidem em Deus, se
querem, que Deus cuide delas. É muita
fé esperar o remédio de quem me não deve
a memoria. Entre todas as criaturas é a
[48]
alma sem comparação a mais preciosa, assim
como entre as pedras é o diamante a
de maior valor; hum diamante, sem o lavrar
a roda, é bruto; uma alma, sem a lavrar
a oração, é pedra; só o espírito divino
é perfeito sem diligência; o espírito humano
há de mister muita diligência para
não ser imperfeito.
Enxovais do vosso craveiro as abelhas;
livrai as vossas noviças de más companhias;
declarou-me: não há companhia entre as
religiosas, que seja má; mas há umas boas,
e outras melhores; chegai-as às mais
santas, retirai-as das menos perfeitas, porque
aprendam de umas, e não esfriem com
outras; mandai-as conversar com quem lhes
fale de Deus, e não com quem lhes fale do
próximo: bem sei que uma religiosa,
quando murmura, é em matéria venial;
mas também sei, que as abelhas, que ao
mesmo tempo, que com o sussurro não ofendem,
com o seraõ picão, e ainda que o
motivo seja leve, sempre a murmuração é
pesada; às vezes poderá ser tal a causa, que
se julgue por um passatempo a censura.
Livre-nos Deus de passarmos o tempo em
desdoro dos ausentes; é muy precioso
[49]
para gastar-se em semelhante emprego: a
religiosa, que murmura, não considera o
de quem; por isso o faz: murmura de Deus
em sua imagem, murmura de sua irmã em
o seu hábito, murmura de sua amiga em
sua companheira; pois valha-me Deus; não
dissimulareis um defeito à vossa companheira,
á vossa amiga, á vossa irmã, e
o que mais é, a imagem de Deus? O sol,
porque teve um átomo, deixa de ser claro?
O cristal, porque tem uma falta, deixa
de ser puro? O céu, porque tem uma
nuvem, deixa de ser céu? E vós quereis a
vossa irmã mais isenta que o sol, que o
céu, e que cristal? A murmurada está
ausente; pois não é impiedade arguir a
quem não responde? Ferir a quem não pode
defender-se? Isto é traição, e esta não
cabe em a lealdade de religiosa; se o mal
é amargo, e o bem doce, porque não tomaremos
antes em a boca ao bem que ao
mal? porque o há de adoçar nossa malícia
contra sua natureza? Os homens dizem
que este vício de murmurar é das mulheres;
as seculares dizem que das freiras, e
eu resolvo em comum que é dos ociosos;
se ocuparmos o tempo bem, logo nos
[50]
não ficará tempo para dizer mal. Retirai
muito deste vício as vossas noviças, tende-as
bem ocupadas, lembra-lhe a cláusula
dos mandamentos, para que tratam a seus
próximos, como que os ama, e assim nunca
se arrojarão de murmurar. As mesmas
abelhas, que nos deram este discurso, nos
dão um apólogo, com que serrallo; ouvi-o
para entrardes com ele as vossas noviças.
Vende-se as abelhas com corpo, com
cores, e com asas, e soberbas com os benefícios,
que lhes deve o mundo, meteram petição
á águia, para que lhes desse o título
de aves, pois por tantos requisitos o mereciam:
não quis ela resolver o despacho,
sem primeiro dar conta ao sol; levantou
o voo, chegou á esfera ,mostrou o memorial;
perguntou-lhe o rei dos planetas, que
casta de criaturas eram estas? respondeu-lhe
a senhora das aves , que eram umas
criaturas de muita habilidade, porque fabricavam a
cera de grão docilidade, porque
faziam o mel de grande segredo, pelo
que aí guardavam, e de grande utilidade
para toda a terra: com esta informação da
águia se inclinava ao despacho o sol ; porém
as flores tantas vezes ofendidas das
[51]
abelhas, noticiadas de sua pretensão, logo
em a primeira aurora, quando as aves lhes
davao música, lhe relataram o atrevido intento,
fazendo das pérolas da madrugada
lágrimas a seu pesar, persuadindo-as a que
como a desdouro próprio se opposes sem á
tal pretensão, e que assim as deixariam
também despejadas de suas ofensas, e mais
durável a beleza, a quem amavam; jurou o
rouxinol á rosa, que as não deixaria conseguir
aquela honra; e quando o sol ia a
sentencear pelas abelhas, chegarão as aves
fazendo uma vistosa nuvem de suas asas,
e reverentes à sua rainha, e aquele luminoso
Deus, lhe propuseram levantar com tanta
honra, advertisse sua magestade lucifera
serem umas ladrões, que roubavam às
flores criaturas suas o melhor de sua gala.
Respondeu a águia já empenhada pelas
abelhas não ser isso cargo, pois o que roubaram
às flores, restituição em mais valor
aos homens. Tornarão as aves, em que eram
umas cruéis, pois traziam armas, com que
davaõ. Respondeu a aguia, que a colera nelas
era um ímpeto da natureza, que se não
castigava como culpa da malícia.Continuarão
[52]
as aves dizendo, serem umas golosas,
de que nenhum doce estava seguro. Respondeu
a águia, que mais pagarão em mel, do
que comiam açúcar. Gritavam as aves dizendo
serem umas criaturas, que sempre
estavam murmurando. O sol, que até aqui
sem interromper percebia as culpas, ficando
pelos encargos, assim como ouviu,
que murmuravam, disse para a águia: Pois elas
tem o vício de murmurar, não é voto meu
que vos mistureis com tais creatures, deixai-as
em a sua esfera , e não as levanteis a
vossa. Ouvindo a águia o parecer de Apollo[4],
mandou desenganar as abelhas da pretensão,
deixando as aves contentes, que logo
baixaram a ganhar as alviçaras ás flores. Este
metaforico exemplo nos ensina o como
o vício da murmuração não tem desculpa,
pois ouvindose a dos outros, senaõ esperou
o descargo deste, e assim como o Sol mandou
desviar a águia da companhia das abelhas,
nos afastemos dos murmuradores.
Tenho ,senhora, dado fim ao meu discurso,
ou aos meus aviso, e em uma palavra
vos incluo todos : Confideray, que creias
esposas para Deus, e não para os homens.
Fez pausa o pintassilgo, e logo levantou a
[53]
voz em metro mais suave com esta letra.
Si para Dios crías flores,
Guardalas,
Que otras son flores sin vida,
Y estas son flores con alma :
De su perfección zelosa,
Guardalas.
Del Aurora, que las llora,
Y del Ave, que las canta,
Amante de su fineza,
Guardalas.
Del yelo, que las intibia,
y del Sol, que las abraza,
para tenerlas seguras,
Guardalas.
Del Zefiro[5], que suspira,
Y del Favonio[6], que halaga,
Porque ofendidas no sean,
Guardalas
De la fuente con murmullos,
Y de la abeja con armas,
Porque sus peligros burles
Guardalas.
De lo mano, que las corta,
De los ojos, que las manchan,
Guardalas
Porque son flores oy,
Sean estrellas mañana.
[54]
Diplomatic Transcription
O PINTASIRGO A’ MESTRA
das Noviças
COntinuavaõ as aves a sua missaõ com
avisos em as officinas : entrou hum
pintasirgo em o Noviciado, aonde achou
a Mestra regando hum craveiro , para que
lhe pagasse em flores , o que lhe devia em
perolas : logo officiosa lhe tirou as ervi-
nhas, que o viço da terra lhe fez brotar ao
pe; dahi passou a encanniçallo, porque cres-
cessem as hasteas á obediencia da prizaõ:
depois de composto o mudou de lugar ,
para que mais de pressa lograsse o beneficio
do Sol ,e neste posto o defendeo de huma
abelha , que lhe buscava as flores para a
tarefa dos favos. Tudo esteve observando
a ave illustrada; e articulando a voz, diffe-
a Religiosa: Notey, senhora, o grande cuy-
dado, com que beneficiais esta planta, e me
lembrou o como aquelle Mestre dos Préga-
[39]
dores, Monarca dos púlpitos, Oráculo dos
ouvintes ; aquelle ,que das conchas mais
toscas sabia tirar as perolas mais finas , o
grão Vieira , dissera em em hum sermão aos
circumstantes : Tratay a vossa alma, como
tratais ao vosso cavallo ; lemroume para
dizervos a vós , que trateis a vossas Novi-
ças, assim como tratais ao vosso craveiro :
saõ plantas , que creais para vós. Primeyramente
dais ao vosso craveiro o rego da agua, para
que medre ; day ás vossas Noviças o rego da
doutrina,para que cresçaõ;bebaõ nessa agua
as virtudes ;admoestai-as, para que se con-
servem Religiosas , que sem este rego ou
se murcharáõ em o fervor,ou naõ cresceráõ
em as perfeiçoens : naõ haveis de fiarvos só
em a chuva do Ceo;haveis de ajudallas com
este beneficio em a terra ; Deos dará quan-
do convém po obrigaçaõ. Os mesmos Pro-
fetas , ´q davaõ á terra o rego da sua doutri-
na de graça, lhe compráraõ o beneficio do
Ceo com muytos suspiros : Rorate coeli de-
super ; espreitais em o vosso craveiro toda
a herva inutil para arrancalla ; espreitai em
as vosas Noviças toda a inclinaçaõ avesta
[40]
para advertilla:naõ deyxeis arreigar a her-
va agreste, que poderá destruir a flor mi-
mosa;cortai-a com suavidade, assim como
o fizestes ao craveiro ,que vos valestes da
maõ branda, e naõ do ferro duro , e seja lo-
go,quando começarem a brotar, que ao de-
pois de profundadas as raizes , naõ basta
destruiremse as ramas ,antes fahem mais
soberbas,quando mais mortificadas.Pozes-
tes á vossa planta huma prizaõ de cannas ,
deitai ás vossas Noviças hum cordaõ de
obediençia ;a este as haveis de ter taõ su-
geytas , qua alli lhes haveis de pretender to-
das as acçoens: creiai-as para Religiosas , e
nesta virtude lhes segurais todas as mais ;
a obediencia leva comsigo a humildade ;
em o rendimento levaõ a mortificaçaõ ;em
o sacrificio levaõ a pobreza; em a deixaçaõ
levaõ a mansidaõ,em naõ terem replica le-
vaõ o silencio ; em naõ terem voz levaõ a
pureza, e a attençaõ ; levaõ a penitencia
em o culto:grande virtude, a que inclue em
si tantas virtudes. O pobre faz sacrificio
das riquezas, o humilde da estimaçaõ, o
puro do appetite , o callado das palavras, o
penitente do corpo ; porem o obediente
fas sacrificio da alma, offerece todas as tres
[41]
potencias, cega o entendimento , mata a
vontade , e suspende a mamoria , com que
fica esta virtude Rainha de todas.
Naõ reparais em os dous sacrificios mais
memoraveis, de que trata a Escritura, o de
Abrahaõ ,e o de Jephte, ambos taõ pareci-
dos em os sacrificantes , taõ huns em as vi-
ctimas,e taõ differentes em as circunstan-
cias? Manda Deos a Abrahaõ,que lhe sacri-
fique a Isaac; obedece o velho; e cortando
pela alma, se dispoem a cortar pelo filho:
sugeytase este sem replica , e abaixa a ca-
beça ao cutelo. Promette Jephte a Deos sa-
crificarlhe a primeyra creatura, que de sua
casa visse, se chegasse victorioso da guerra ;
vence, entra em o seu domicilio , e a pri-
meyra,que lhe apparece,he sua filha a feste-
jallo ; traspassado de dor lhe intima a fatal
sentenca ,pedelhe a afflicta donzella dous
mezes para chorar a sua morte , antes de
padecella , os quaes lhe foraõ concedidos.
Pois Isaac sem pedir hum instante de vida ,
sem expressar huma voz de sentimento,of-
ferece a garganta ao golpe ,ea filha de Je-
phte só lamenta a sua desgraça, mas pede
para choralla dous mezes? Tanto tépo para
entretella ? Naõ he a dor a mesma, naõ he
[42]
o cutelo o proprio, naõ he huma a separa-
çaõ? Sim he. A filha de Jephte era sacrifi-
cio de satisfaçaõ ,e Isaac era sacrificio de
obediencia, e he a obediencia taõ taõ grande
cousa, que ainda sendo o cumprimento da
palavra cousa taõ grande,morria Isaac pela
obediencia gostoso, e morreo a filha de Je-
phte pela satisfaçaõ lastimada : os mesmos
sacrificios nos confirmaõ este pensamento.
Jephte,´q fez victima do coraçaõ em a filha ,
fica sem algum louvor ; e a Abrahaõ se lhe
daõ tantos, que deixou em a sua acçaõ hum
panegyrico para toda a posteridade,porque
a sacrificio de Jephte foy depois do de A-
brahaõ ,e á vista de hum sacrificio, ainda que
seja de pontualidade,nem comparado pay
com pay, filho com filho,victima com victi-
ma.
Senhora , creiais as vossas Noviças para
Religiosas,creai-as com obediencia: huma
Freyra sem obediencia he cavallo sem
freyo, barco sem remos , nao sem piloto ,
edificio sem alicerse ,horto sem muros; e
que despenho espera a este bruto , que on-
da a este barco,que penedo a esta nao, que
ruina a este edificio , e que destruiçaõ a es-
[43]
te horto? Livrenos Deos de taes fatalida-
des. Naõ ha quem se izente de obedecer
em a ordem das creaturas ; vede em os ra-
cionaes o Rey obedecendo ao conselho,
os vastallos ao Rey , os pequenos aos gran-
des ; e em as creaturas sensitivas vede os
brutos obedecendo aos homens, ou já en-
freados, ou já domesticos; em as insensi-
veis vede a todas obedecendo a seu Crea-
dor em os tempos,as arvores com os fructos,
as plantas com as flores , as hervas com as
virtudes.Pois se todos obedecem a seu ma-
yor , obedeça a Freyra aos seus Prelados, e
com muyto mayor sugeyçaõ , porque he
Religiosa.
Contase de huma Carmelita descalça, a
grande Catharina de Jesus , que porque a
sua muyta modestia se confessava muyto
mortificada aos officiaes, que andavaõ em
as obras do mosteyro, cujo officio ella ex-
ercitava; notificiosa a Prelada da repugnan-
cia, que tinha em assistir com aquelles ho-
mens , lhe disse com tençaõ de gracejo :
Ora porque nos naõ ande aqui com esses
melindres, vá á manhã a par dos officiaes
despida : a perfeyta Religiosa sem mais
discursos,porque a obediencias naõ os faz,
[44]
assim como amanheceo,foy esperar aos of-
ficiaes só com a tunica interior , e com ella
ajustada á mayor compostura; e desta sorte
se poz ao canto da casa,em a qual entrando
huma Religiosa ,notou hum grande res-
plendor em o lugar,onde a ferva de Deos
estava , e entre as luzes a divisou em a for-
ma referida: avisou logo á Prelada,que aco-
dio com toda a communidade a darem tes-
timunho de tal maravilha, aonde o mila-
gre causou menos admiraçaõ, que a obedi-
encia, pois a viaõ triunfante até da modes-
tia: a Prelada pelejou com a voz ,o que ve-
nerou com o coraçaõ, por segurar humil-
de a quem a fez pasmar por obediente. Em
a mesma reforma do Carmelo achareis em
como mandando o seu Prelado a hum
Monje pedir esmola de cevada , e queren-
do os devotos por mais estimaçaõ darlha
de trigo ,o nao quiz aceitar ,dizendo, que
o seu Prelado lhe naõ mandava pedir trigo,
senaõ cevada. Outros trabalhando junto a
hum rio, e chamando o trabalho ao calor,
e o calor á sede, e por mais que esta os
abrazasse,naõ tomavaõ hum trago de agua,
porque naõ tinhaõ alli o seu mayor,a quem
pedir para isso licença. Sobre os seus po-
[45]
bres fardos descansavaõ outros, e aconte-
cendo alguma vez cair sobre elles dos ca-
chos das uvas, que estavaõ pendurados em
o tecto do pobre dormitorio, os naõ levan-
tavaõ, até ser hora de pedir para isso licen-
ça, deyxando-se ficar do mesmo lado, até
amanhecer, porque com o movimento naõ
pizassem as uvas. Outros houve,que se dey-
xavaõ ficar toda a noyte prostrados em o
lugar,onde os tomava a reprehésaõ do Pre-
lado ,se este se esquecia de os mandar le-
vantar. Estas, e infinitas semelhantes saõ
as façanhas da obediencia, aonde o mais
rendido he o mais victorioso.Naõ só os Re-
ligiosos perfeytos vos daraõ exemplo,tam-
bem os infieis taõ resignados em a vontade
do seu mayor ,que chegando a intimarse a
hum Turco a sentença de morte , que naõ
esperava, por se achar livre, assim que lhe
leraõ a ordem do seu Imperador , em que
mandava,que lhe cortassem logo a cabeça,
respõdeo:Agradeço muyto ao graõ Senhor
o lembrarse de mim ;e se offereceo ao cu-
telo sem a menor replica.Senhora,a perfey-
ta obediente ha de ser como huma mulher
morta só com os ouvidos vivos; naõ ha de
ter voz para a replica, naõ ha de ter vista
[46]
para a distinçaõ, naõ ha de ter movimento
para a repugnancia, naõ ha de ter discurso
para o conhecimento. Porque cuydais,que
se perderaõ aquellas cinco Virgens,a quem
o Euangelho chama loucas , ou nescias?
Perderaõ-se por inobedientes; mandoulhe
o Esposo o esperassem com as alampadas
acezas ;esperaraõ-no com ellas apagadas.
Senhora, creai as vossas Novicças em obedi-
encia,e se assim o naõ fizerdes,ficaráõ Frey-
ras, mas naõ ficaráõ Religiosas, e entre to-
das as creaturas em o andar de féras, que só
ellas nao tem sugeiçaõ.
Ao depois de cercardes ao vosso cravey-
ro, o chegastes aonde lhe desse o Sol, para
que com o seu calor o vivificasse; a esta
imitaçaõ procurai dar calor o estas plan-
tas,que creiais para esposas de Deos,chegan-
do-as muyto a oraçaõ; fazei que commu-
niquem hoje com quem se haõ de despo-
sar ámanhã; alli estudaráõ as galas nu-
pciaes , e receberáõ as joyas para o dia das
bodas; em aquelle fogo consumiráõ as sau-
dades do mundo, e as escorcias da terra;
pois as creais para Religiosas, fabei que
huma Freyra sem oraçaõ he hum corpo
sem alma, huns olhos sem luz, huma men-
[47]
te sem discurso: em quanto á vida de mu-
lher poderseha animar com os generos ma-
teriaes; porém quanto á vida de Religiosa
naõ he possivel o conservarse sem o ali-
mento espiritual: o espirit, que influe para
durar, naõ he o mesmo, que influe para vi-
ver; huma Religiosa com oraçaõ vive, sem
oraçaõ dura: a oraçaõ he aquella mestra
dos sabios, em cuja escola sahiraõ os igno-
rantes doutos; he aquellaflor, aonde se be-
be a doçura divina; aqulla luz, que rompe
pela sobre humana; aquelle nó, que nos
ajunta a Deos; aquelle espelho, que nos
mostra o Ceo; aquelle voo,que nos arran-
ca da terra : he a medianeyra entre Deos,
e o homem, a que reprime as iras da sua
justiça, a que desata as correntes da sua mi-
sericordia; he o mais, que só entende quem
a experimenta, e naõ quem a escreve: che-
gai-as em o inverno da sua tibeza a este
brazeiro, em a primavera dos seus dias a
este paraiso: tratem com Deos, pois vem a
ser de Deos;e assim ás Noviças com ás Re-
ligiosas adverti, que cuidem em Deos, se
querem, que Deos cuide dellas. he muyta
fé esperar o remedio de quem me naõ deve
a memoria. Entre todas as creaturas he a
[48]
alma sem comparaçaõ a mais preciosa, as-
sim como entre as pedras he o Diamante a
de mayor valor ;hum diamante, sem o la-
vrar a roda, he bruto; huma alma, sem a la-
vrar a oraçaõ, he pedra; só o espirito divino
he perfeyto sem diligencia ; o espirito hu-
mano ha de mister muyta diligencia para
naõ ser imperfeyto.
Enxotais do vosso craveiro as abelhas ;
livray as vossas Noviças de más companhi-
as; declarome: Naõ ha companhia entre as
Religiosas, que seja má;mas ha humas boas,
e outras melhores ; chegai-as ás mais
santas , retirai-as das menos perfeytas, por-
que aprendaõ de humas, e naõ esfriem com
outras;mandai-as conversar com quem lhes
fale de Deos, e naõ com quem lhes fale do
proximo: bem sey que huma Religiosa,
quando murmura, he em materia venial;
mas tambem sey, que as abelhas, que ao
mesmo tempo, que com o sussurro naõ of-
fendem, com o serraõ picaõ, e ainda que o
motivo seja leve, sempre a murmuraçaõ he
pesada; ás vezes poderá ser tal a causa, que
se julgue por hum passatempo a censura.
Livrenos Deos de passarmos o tempo em
desdouro dos ausentes; he muy precioso
[49]
para gastarse em semelhante emprego: a
Religiosa, que murmura, naõ considera o
de quem; por isso o faz: murmura de Deos
em sua imagem, murmura de sua irmã em
o seu habito, murmura de sua amiga em
sua companheyra; pois valhame Deos; naõ
dissimulareis hum defeyto á vossa com-
panheyra, á vossa amiga, á vossa irmã, e
o que mais he, á imagem de Deos? O Sol,
porque teve hum átomo, deuxa de ser cla-
ro? O crystal, poque tem huma falta, dey-
xa de ser puro? O ceo, porque tem huma
nuvem, deyxa de ser Ceo? E vós quereis a
vossa irmã mais izenta que o Sol, que o
Ceo, e que o crystal? A murmurada está
ausente; pois naõ he impiedade arguir a
quem naõ responde? Ferir a quem naõ po-
de defenderse? Isto he traiçaõ, e esta naõ
cabe em a lealdade de Religiosa ; se o mal
he amargo, e o bem doce, porque naõ to-
maremos antes em a boca ao bem que ao
mal ? Porque o ha de adoçar nossa malicia
contra sua natureza ? Os homens dizem
que este vicio de murmurar he das mulhe-
res; as seculares dizem que das Freyras, e
eu resolvo em commum que he dos ocio-
sos; se occuparmos o tempo bem, logo nos
[50]
naõficará tempo para dizer mal. Retiray
muyto deste vicio as vossas Noviças, ten-
de-as bem occupadas, lembrailhe a clausu-
la dos mandementos, para que tratem a seus
proximos, como que os ama, e assim nun-
ca se arrojaráõ a murmurar. As mesmas
abelhas, que nos deraõ este discurso, nos
daõ hum apólogo,com que serrallo; ouvi-o
para enterterdes cõ elle as vossas Noviças.
Vendese as abelhas com corpo, com
cores, e com azas, e soberbas com os bene-
ficios, que lhes deve o mundo,meteraõ pe-
tiçaõ á aguia, para que lhes desse o titulo
de aves, pois por tantos requisitos o mere-
ciaõ: naõ quiz ella resolver o despacho,
sem primeyro dar conta ao Sol ; levantou
o voo, chegou á esfera ,mostrou o memo-
rial ; perguntoulhe o Rey dos Planetas, que
casta de creaturas eraõ estas ? Respondeo-
lhe a senhora das aves , que eraõ humas creaturas
de muyta habilidade, porque fa-
bricavaõ a cera de graõ docilidade, por-
que faziaõ o mel de grande segredo, pelo
que ahi guardavaõ, e de grande utilidade
para toda a terra : con esta informaçaõ da
aguia se inclinava ao despacho o Sol ; po-
rém as flores tantas vezes offendidas das
[51]
abelhas,noticiadas de sua pertensaõ, logo
em a primayra aurora, quando as aves lhes
davaõ musica, lhe relataraõ o atravido in-
tento, fazendo das perolas da madrugada
lagrimas a seu pezar ,persuadindo-as a que
como a desdouro proprio se oppozessem á
tal pertensaõ, e que assim as deyxariaõ
tambem despicadas de suas offensas, e mais
duravel a belleza,a quem amavaõ ; jurou o
roxinol á rosa, que as naõ deyxaria conse-
guir aquella honra ; e quando o Sol hia a
sentencear pelas abelhas, chegarão as aves
fazendo huma vistosa nuvem de suas azas,
e reverentes á sua Rainha, e áquelle lumi-
noso Deos, lhe propuzeraõ levantar com tan-
ta honra ,advertisse sua Magestade lucife-
ra serem humas ladras , que roubavaõ ás
flores creaturas suas o melhor de sua gala.
Respondeo a aguia já empenhada pelas
abelhas naõ ser isso cargo, pois o que rou-
bavaõ ás flores, restituiaõ em mais valor
aos homens. Tornáraõ as aves, em que eraõ
humas crueis, pois traziaõ armas, com que
davaõ. Respondeo a aguia,que a colera nel-
las era hum impeto da natureza, que se naõ
castigava como culpa da malicia.Continua-
[52]
raõ as aves dizendo, serem humas golosas,
de que nenhum doce estava seguro. Respon-
deo a aguia, que mais pagavaõ em mel, do
que comiaõ em assucar.Gritavaõ as aves di-
zendo serem humas creaturas,que sempre
estavaõ murmurando. O sol, que atéqui
sem interromper percebia as culpas, fican-
do pelos descargos, assim como ouvio,
que murmuravaõ, disse para a aguia : Pois ellas
tem o vicio de murmurar, naõ he voto meu
que vos mistureis com taes creaturas, dey-
xai-as em a sua esfera , e naõ as levanteis á
vossa. Ouvindo a aguia o parecer de Apollo,
mandou desenganar as abelhas da perten-
saõ, deyxando as aves contentes,que logo
baxaraõ a ganhar as alviçaras ás flores. Es-
te metaforico exemplo nos ensina o como
o vicio da murmuraçaõ naõ tem disculpa,
pois ouvindose a dos outros, senaõ esperou
o descargo deste, e assim como o Sol man-
dou desvias a aguia da companhia das abe-
lhas , nos afastemos dos murmuradores.
Tenho ,senhora, dado fim ao meu discur-
so , ou aos meus aviso, e em huma palavra
vos incluo todos : Confideray, que creias
esposas para Deos, e naõ para os homens.
Fez pausa o pintasirgo, e logo levantou a
[53]
voz em metro mais suave com esta letra.
Si para Dios crias flores,
Guardalas,
Que otras son flores sin vida,
Y estas son flores con alma :
De su perfecion zelosa,
Guardalas.
Del Aurora, que las llora,
Y del Ave, que las canta,
Amante de su fineza,
Guardalas.
Del yelo, que las intibia,
y del Sol, que las abraza,
para tenerlas seguras,
Guardalas.
Del Zefiro, que suspira,
Y del Favonio, que alaga,
Porque offendidas no sean,
Guardalas
De la fuente con murmuros,
Y de la abeja con armas,
Porque sus peligros burles
Guardalas.
De lo mano, que las corta,
De los ojos, que las manchan,
Guardalas
Porque son flores oy,
Sean estrellas mañana.
[54]
Edition Notes
1- Goldfinch
2- Referring to Abraham in the Bible. See: Genesis 22
3- Referring to the story of Jephthah sacrificing his daughter in the bible. See: Judges 11:1-12:7
4- Referring to Apollo, a Greek god who was the god of music, poetry, art, and the sun and light.
5-Referring to the Greek god Zephyrus who brings Spring to the world
6- Referring to Favonius who is the Roman wind god over plants and flowers.
Works by Soror Maria do Céu
- Enganos do Bosque, Desenganos do Rio. I e II parte (1)
- Adágio 3 - Nestas casas que aqui vedes
- Adágio 4 - É uma negra boçal
- Adágio 5 - Sou cambraia, porém sem fio
- Adágio 6 - Na fresca aurora sou dama prezada
- Adágio 7 - Filho sou de um monstro horrível
- Adágio 8 - Sou alva mas de má cor
- Adágio 9 - Era um moço comprido, negro e feio
- Adágio 10 - Eu sou uma ilha escura
- Adágio 11 - Uma mulher que apanhou
- Adágio 12 - Levo a primazia às mais
- Adágio 13 - Sou neste mundo a mulher
- Adágio 14 - Ontem fui flor
- Adágio 15 - Nasci entre gente nobre
- Adágio 16 - Terra dura os produziu
- Adágio 18 - Ando encoberta a fugir
- Adágio 19 - Vá fora a negra e mulato
- Adágio 20 - Sirvo ligeira e forte
- Adágio 21 - Ouça senhora condessa
- Adágio 22 - Sou ouro, mas confesso
- Adágio 23 - Estou na boca da dama
- Adágio 24 - Eu e um mancebo sim
- Adágio 25 - Nasci na casa de Deus
- Adágio 27 - Em uma monção ditosa
- Adágio 28 - Hei-la vem sem se sentir
- Adágio 29 - Todo o dia em um canto estou
- Adágio 30 - Por um caminho achado
- Adágio 33 - Com um homem muito forte me abracei
- Adágio 34 [primeiro] - Fui com estudo criado
- Adágio 34 [segundo] - Cara feia, pequeninho
- Adágio 35 - Se com discurso não bronco
- Amor es fe
- Aves Ilustradas (1)
Miscellaneous Works by Soror Maria do Céu
Posted
5 December 2021
Last Updated
14 June 2022